sobrevivente de um relacionamento abusivo e pornografia de vingança
Tudo começa com uma ideia.
Anônima -
Conheci o V. num momento em que eu estava me sentindo frágil, insegura, tentando recomeçar. Ele era carismático, atencioso... pelo menos no início. Tudo parecia um filme romântico, daqueles que a gente cresce achando que vai viver. Me mandava mensagens o tempo todo, queria saber onde eu estava, com quem... e no começo, eu achei que era cuidado. Hoje eu sei que era controle.
Aos poucos, ele foi isolando tudo que me fazia bem. Amigos? “Falsos”. Família? “Invasiva”. Meus hobbies? “Perda de tempo”. Me senti cada vez menor, como se eu estivesse sempre errada, como se ele estivesse sempre fazendo um favor por ainda estar comigo.
Quando discutíamos, ele me fazia acreditar que eu era louca. Que eu distorcia tudo. Que era sensível demais. Eu me vi duvidando da minha própria memória, da minha lógica, das minhas emoções.
Ele começou a me pedir fotos. No começo, eu hesitava, mas ele dizia: “é só pra mim, é porque eu te acho linda, é a nossa intimidade”. Quando eu finalmente cedi, me senti desconfortável... mas confiei. Achava que amor era isso: se entregar, mesmo com medo.
Depois que terminamos — ou melhor, depois que eu consegui fugir — veio a pior parte: ele começou a espalhar minhas fotos íntimas. Postou em fóruns, mandou pra conhecidos, até criou um perfil falso no meu nome. Eu fui ao chão. Literalmente. Não comia, não dormia. Sentia vergonha de sair na rua. Tinha medo de olhar o celular. Tinha medo de existir.
Teve um dia, e isso é muito difícil de escrever, em que eu realmente pensei em acabar com tudo. Achei que seria mais fácil. Achei que ninguém sentiria minha falta. Achei que ele tinha vencido.
Mas por algum motivo, naquela madrugada, resolvi ligar pra uma amiga. E foi ela quem me disse, com todas as letras: “isso que você viveu é violência.”
Foi aí que a ficha caiu. Aquilo não era amor, nunca foi. Era abuso.
Comecei terapia. Demorei semanas pra conseguir olhar pra mim no espelho. Denunciei ele — e mesmo com todo o sistema sendo lento e cansativo, eu fiz questão de registrar cada print, cada ameaça, cada prova. Não foi fácil, mas valeu a pena.
Hoje eu tô reconstruindo quem eu sou. Ainda tenho gatilhos, claro. Ainda me assusto com certos tons de voz, com olhares parecidos. Mas agora eu sei reconhecer os sinais. Agora eu sei que não fui a culpada. Eu fui vítima — e agora sou sobrevivente.
Se você tá lendo isso e passando por algo parecido, eu quero te dizer: você não está sozinha. E mesmo que pareça impossível agora, existe vida depois disso. Existe paz. Existe liberdade. Existe amor — mas o verdadeiro, o que não te apaga, o que não te cala, o que não te fere.
E principalmente: existe você, inteira de novo.
"Ele dizia que meu cabelo parecia bombril. Depois vinha me pedir desculpa com flor."
Tudo começa com uma ideia.
Daine, 21 anos
Moça, eu nem sei se isso é abuso mesmo. Porque às vezes eu acho que é coisa da minha cabeça.
Mas aí lembro das palavras dele. Do jeito que ele ria do meu cabelo. Dizia que parecia que eu botei o dedo na tomada.
Quando a gente brigava, ele falava: “Você é preta, devia ser mais humilde.”
Eu chorava e ele vinha depois todo doce, com rosa, dizendo que era brincadeira.
Que era "o jeito dele", que me amava.
Aí eu ficava com vergonha de sair de turbante. Comecei a me alisar toda semana. Só pra ele me ver bonita.
Hoje tô tentando me libertar disso. Tô voltando a usar meu cabelo como ele é.
Tem dia que eu me sinto forte. Tem dia que não. Mas tô indo.
"Ele falava que era só zoeira, mas eu vivia com medo."
Tudo começa com uma ideia.
Anônima, 17 anos
Então... eu conheci ele na escola. Era mais velho, 20 anos. A princípio, era massa, me buscava, me pagava lanche.
Só que aí ele começou a pegar no meu pé demais. Tudo que eu fazia era “errado”. Se eu postava foto, era “piriguete”. Se falava com um amigo, era “galinha”.
Ele me chamava de “neguinha safada” quando queria transar. Eu dizia que não queria, ele ria e falava “mulher preta é tudo quente”.
Eu fiquei travada. Parei de estudar por vergonha.
Ele dizia que ninguém ia querer uma menina como eu.
Eu acreditava.
Até que um dia minha tia me viu chorando, perguntou, e eu desabei. Ela me tirou de casa e tô morando com ela agora.
Ainda tremo quando escuto alguém gritar. Mas tô longe dele. E isso já é muito.
"Quando eu era moça, ele dizia que eu tinha sorte dele me querer. Agora velha, sou só um móvel na casa."
Tudo começa com uma ideia.
Maria dos Remedios, 52
Eu sou do tempo que mulher não separava. Casava, criava filho e pronto.
Casei com 19. Era apaixonada. Mas logo vi que eu era mais empregada que esposa.
Quando eu engordei, ele disse que eu tava “desleixada”.
Quando parei de menstruar, disse que eu “não servia mais nem pra cama”.
Eu fiquei. Fiquei pelos meninos, pela vergonha.
Hoje, com 52, ele fala comigo só pra mandar ou pra reclamar.
E eu só fico ali... calada, porque não sei pra onde ir.
Mas às vezes, quando tô sozinha, me pego cantando baixinho, só pra lembrar que ainda tô viva.
"Eu nem sabia que isso era abuso, só achava tudo muito estranho."
Tudo começa com uma ideia.
Leticia, 26 anos
Oi... não sei bem como começa isso aqui, mas enfim.
Eu sou a Letícia, tenho 26, e acho que passei por uma coisa ruim. Ou... não sei, tô tentando entender ainda.
Conheci um cara pelo Tinder ano passado, o nome dele era Caio. A gente começou a sair, tudo bem no início. Ele era muito fofo, dizia que eu era a mulher da vida dele com uma semana. Eu fiquei meio assim, mas também tava carente, sabe?
Enfim... a gente começou a namorar e ele era super grudado. Muito. Mandava mensagem toda hora, perguntava onde eu tava, com quem, o que tava fazendo... achava que era ciúme bobo, sei lá, até gostava no começo.
Só que depois ficou pesado. Ele instalou um app no meu celular sem eu saber. Dizia que era pra “minha segurança”. Comecei a sentir que eu não tinha espaço pra nada.
Aí teve um dia... isso é o que mais me deixa mal. Eu acordei de madrugada e ele tava me filmando. Dormindo. Tipo... eu pelada, dormindo, e ele com o celular em cima de mim.
Quando eu perguntei o que ele tava fazendo, ele disse que era porque eu parecia um anjo, que queria guardar aquele momento.
Eu congelei.
Depois descobri mais: ele tinha uma pasta no computador com vários vídeos meus. Dormindo, trocando de roupa, no banho. E eu nunca soube. Nunca autorizei.
Quando tentei terminar com ele, ele me ameaçou. Disse que se eu sumisse, ele ia vazar meus vídeos. Que ninguém ia acreditar em mim. Que eu era doida.
Fiquei presa nesse terror por umas semanas até conseguir fugir. Não dormia direito. Me escondia no banheiro pra chorar.
Consegui sair com ajuda de uma amiga que já tinha passado por coisa parecida. Tô morando com ela agora. Ainda tenho muito medo, muito mesmo. Mas pelo menos eu não tô mais dentro da casa dele.
Eu achava que abuso era só quando apanhava. Mas agora sei que tem outras formas. E que o que ele fez comigo foi uma delas.
"A igreja dizia que era minha cruz. Eu carreguei até quase morrer."
Tudo começa com uma ideia.
Tatiane, 38 anos
Eu sou evangélica desde que nasci. Cresci ouvindo que a mulher virtuosa era aquela que suportava. Que casamento era sagrado. Que homem é cabeça e mulher é corpo.
Casei com 20 anos com um homem da igreja, escolhido a dedo pela liderança. O Cláudio era calado, rígido, parecia sério. A primeira vez que ele gritou comigo foi porque eu usei calça jeans num culto. Me mandou ajoelhar e pedir perdão a Deus.
Depois vieram os tapas. No começo, escondidos. Um empurrão aqui, um puxão de cabelo ali. Se eu chorava, ele dizia: “Mulher de fé não se abala com correção.”
Ele dizia que era meu papel ser submissa. E eu tentava, de todo jeito. Jejuava, orava, lia Provérbios 31 todo dia. Fui ficando cada vez menor dentro de mim.
Quando contei pra pastora, ela me mandou orar mais. Quando contei pra minha mãe, ela disse: “Ele te dá comida, casa, não te larga. Já é mais do que muita tem.”
A gota d’água foi quando ele levantou a mão na frente dos meus filhos. O mais velho, de 9 anos, se colocou na frente pra me proteger. E levou um tapa no rosto.
Eu vi o olhar do meu filho. Não de medo. De vergonha. E aquilo me rasgou.
Fugi no meio da madrugada. Peguei um Uber com o dinheiro que escondi por dois meses. Fui pra um abrigo que me indicaram pelo WhatsApp de uma irmã que já tinha passado por isso.
Hoje moro com meus filhos num apartamento emprestado. Ainda oro. Mas pra um Deus que não quer me ver sofrendo.
E quando lembro da igreja me dizendo pra aguentar, eu digo: “Deus me deu força, não corrente.”
“ Assédio sexual com confusão emocional — sem justiça ainda, mas com consciência”
Tudo começa com uma ideia.
Anônima, 19 anos
Eu era virgem. Não que isso importe, mas pra mim importava, sabe? Eu queria que fosse com alguém que me respeitasse. E ele dizia que respeitava. Que me amava. Que ia esperar.
No começo ele até esperou. Me levava em casa, escrevia cartinha, parecia um menino bom.
Um dia a gente tava na casa dele, os pais tinham viajado. Eu deixei claro que não queria. Não daquele jeito, não naquele dia.
Ele me beijou, foi ficando mais agressivo. Eu falei "para", umas três vezes. Ele não ouviu. Ou fingiu não ouvir.
Quando percebi, ele já tava em cima de mim, tirando minha calça. Eu travada. Não gritava, não conseguia. Só queria que acabasse logo.
Depois ele falou: “Você também quis.”
E eu acreditei.
Fiquei um ano achando que era culpa minha. Que eu tinha dado sinais errados.
Foi numa roda de conversa na faculdade que eu ouvi a palavra “estupro” sendo usada num caso igual ao meu.
Não sei explicar o que senti. Era como se alguém tivesse acendido a luz num lugar onde eu tava há muito tempo.
Ainda não contei pra ninguém da família. Mas agora eu sei o nome do que aconteceu comigo.
E não, eu não quis.
"Eu não apanhei. Mas ele me desmontou."
Tudo começa com uma ideia.
Anônima, 42 anos
Eu nunca levei um tapa. E por muito tempo, achei que isso era suficiente pra dizer que meu relacionamento era “ok”. Afinal, ele não me batia, né? Era só... um pouco bravo.
Tudo que eu fazia ele criticava. Dizia que eu não tinha “visão de mundo”, que meus gostos eram de adolescente. Se eu falava de algo que eu gostava, ele dava risada.
Aos poucos, fui deixando de falar. Eu me pegava ensaiando o que ia dizer, apagando mensagens antes de mandar, pensando três vezes se o que eu tava fazendo era “inteligente o suficiente”.
Ele não gritava, não quebrava nada. Só olhava. Aqueles olhares que te fazem sentir como se você tivesse feito papel de idiota o tempo todo.
Teve um dia que eu chorei porque perdi um cliente importante no meu trabalho e ele disse: “Quer que eu finja que isso é grave? Cresce.”
Quando ele terminou, disse que eu era “sensível demais”. E eu ainda pedi desculpa por não ser mais leve pra ele.
Faz dois anos que acabou. E ainda hoje, às vezes, eu fico em silêncio numa roda de conversa por medo de parecer burra.
Mas aos poucos, tô voltando. A ler. A falar. A pensar em voz alta. E isso, pra mim, tem sido uma forma de reexistir.